CONACEN

Conselho Nacional de Consumidores de Energia Elétrica

Conacen na mídia: Resolução 1.000: sua evolução e necessidade de compreensão e atuação pela sociedade

Depois de aguardarmos bom tempo, no dia 20/12/2021, foi publicada a Resolução 1.000 da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), que passa a vigorar a partir de 03/01/22 com 678 artigos, abordagem ampla e atual dos temas que orbitam uma concessionária de distribuição e seus usuários, cativos ou não.

Foram revogadas 64 resoluções de 2001 a 2021, sendo uma delas, a Resolução 414/2010, que tratava das “Condições Gerais de Fornecimento”, isto é, relação concessionária e consumidor (ligação, corte e religação, suspensão, perdas comercias, prazos, notificações, etc).

Passamos de 229 artigos na Resolução 414/2010 para 678 artigos na Resolução 1000, isto é, 449 artigos incluídos, se compararmos com a resolução ora revogada.

Esta resolução é o coração da distribuidora e merece ser muito bem estudada (o que não faço aqui pelo curto espaço e tempo: só vou me ater às questões relacionadas às perdas comerciais), mas, obviamente, é nítida a evolução se comparadas com as pretéritas Portarias 222/87 e 466/96 (ainda no tempo do Departamento Nacional de Energia Elétrica – DNAEE, sucedido em 1997 pela Aneel) e as Resoluções 456/2000 e 414/2010.

De 1987, antes da entrada em vigor do Código de Defesa do Consumidor – CDC, até a Resolução hoje publicada, todas as portarias e resoluções que vigoraram evoluíram e se voltaram para ouvir, entender e respeitar o consumidor, o que louvo a Aneel, órgãos de Defesa do Consumidor e representante de Associações e Ministério Público, estes últimos em contribuições ofertadas em audiências públicas.

Confesso que ainda me chama a atenção o desequilíbrio entre os direitos e deveres do consumidor. Quanto aos Deveres gostaria de transcrever trecho da Cláusula Quinta, da Resolução 1.000, senão vejamos:

CLÁUSULA QUINTA: DOS DEVERES DO CONSUMIDOR

5.1. São os principais deveres do CONSUMIDOR:

5.1.3. manter a adequação técnica e a segurança das instalações elétricas da unidade consumidora, de acordo com as normas oficiais brasileiras;

….

5.1.5. responder pela guarda e integridade dos equipamentos de medição quando instalados no interior de seu imóvel;

5.1.6. manter livre à DISTRIBUIDORA, para fins de inspeção e leitura, o acesso às instalações da unidade consumidora relacionadas com a medição e proteção;

Estes quatro dispositivos foram e são o cerne da questão, quando nos atemos às questões relacionadas com o furto e a fraude no consumo de energia, ou perdas comerciais.

Quem está no campo (os eletricistas) sabe que “adequação técnica e a segurança das instalações” não é algo corriqueiro, muito pelo contrário.

Quanto a “responder pela guarda e integridade dos equipamentos de medição quando instalados no interior de seu imóvel”, este DEVER é um dos mais difíceis de ser encontrado e cumprido pelo consumidor mal intencionado.

Quanto a “manter livre à DISTRIBUIDORA, para fins de inspeção e leitura, o acesso às instalações da unidade consumidora relacionadas com a medição e proteção” esse DEVER, parece ser exercido como DIREITO do consumidor. Quem furta ou frauda sempre se recusa a dar acesso, pois sabe que a probabilidade de se encontrar um ilícito é grande.

Lembro que o Anexo II da Resolução 1.000 é um contrato por adesão e, portanto, estamos tratando de uma relação comercial e seu descumprimento enseja a interrupção do serviço, por exemplo (por razões de ordem técnica e de segurança – que, registre-se, não é somente dispositivo dessa resolução, mas sim do artigo 6º da Lei de Concessões e cláusula ipsis literis dos contratos de concessão.

Ainda na Resolução 1.000, os Procedimentos Irregulares são tratados dos artigos 589 ao 598 e em quatro Seções, a saber: Seção I Da Caracterização da Irregularidade e da Recuperação da Receita; Seção II Da Duração; Seção III Do Custo Administrativo; Seção IV Da Compensação da Receita da Irregularidade.

E antes que perguntem: e O termo de Ocorrência e Inspeção – TOI? Além de mencionado no artigo 589 ele, também, está em forma de Anexo da Resolução? A resposta é não.

De forma específica foi publicada a resolução Aneel 2.991, de 07/12/2021, que passa a valer, também, em 03/01/22.

Sendo um modelo e uma diretriz a ser seguida e cumprida pela distribuidora e, quer pelas disposições contidas na Resolução 1.000 e na acima mencionada, dúvida não há que, mais uma vez, estamos diante de um ato administrativo, que somado a vários outras provas (laudo, fotos levantamento de carga, etc) não pode ser entendido como nulo e sem legitimidade.

Assim ensina a doutrinadora Maria Sylvia Zanella Di Pietro[1]:

“o Poder Judiciário pode examinar os atos da Administração Pública, de qualquer natureza, sejam gerais ou individuais, unilaterais ou bilaterais, vinculados ou discricionários, mas sempre sob o aspecto da legalidade e, agora, pela Constituição, também sob o aspecto da moralidade (artigos 5º, inciso LXXIII, e 37)”

Como o TOI apresentado pelas resoluções passadas e, obviamente, por esta que entra em vigor dia 03/01/22, ainda não possui discussão judicial, não é recomendável e crível impugnar toda e qualquer fiscalização tendente a apurar irregularidades, sob o argumento de que as medidas são unilaterais.

Há que se entender que, na sua grande maioria, os autos de infração, termos de ocorrência e inspeção, autuações administrativas e outras são sempre unilaterais, porquanto surpreendem em flagrante conduta ilícita do administrado.

É o que acontece na fiscalização do tributo ICMS, onde os fiscais ingressam em determinado estabelecimento comercial, e, lá, munidos de poderes que a lei lhe confere, dentre eles o de polícia verificam a legalidade da arrecadação do tributo mencionado, apuram eventuais fraudes e formalizam esse ato através de termo circunstanciado, válido até prova em contrário como ocorre por analogia no caso do TOI.

Entretanto, a validade jurídica, se mantém sob o argumento de que o usuário ou administrado não participou do ato, mesmo porque se trata de exercício de poder de polícia da concessionária, decorrente do serviço público delegado.

Consequência disso, é que aquele que subtrai energia, ou então, água, telefone, pratica fraude a medidores de consumo sempre o faz na clandestinidade, à revelia da concessionária, e, certamente não se acusará.

Assim, a atividade da concessionária é tomada do elemento surpresa e a autuação em flagrante, sem a participação do usuário, exatamente para surpreender as irregularidades que causam enorme prejuízo à coletividade, como burlar o consumo e pagar menos pelo serviço.

A atividade fiscalizadora da concessionária goza de presunção de legitimidade e legalidade administrativas, decorrendo das prerrogativas do regime administrativo do serviço público delegado, consistindo em verdadeiro poder de polícia.

Caso haja abuso por parte da concessionária, a legislação consumerista e civil não desampara o usuário.

Tratando-se de constatação de ato ilícito e sua repressão em decorrência do interesse público do serviço delegado, cabe ao usuário demonstrar abuso ou irregularidade por parte da concessionária, não o inverso. E, para o caso, a inversão do ônus da prova inserta no artigo 6°, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor – CDC em favor do consumidor só acontece se houver verossimilhança.

Deste modo, em casos de irregularidades verificadas, essa verossimilhança desaparece e não autoriza a aplicação do instituto, principalmente quando na hipótese determinada a realização da prova pericial, o usuário não se interessa pela sua realização, não franqueando ao preposto da concessionária o devido acesso ao relógio medidor substituído.

O princípio da presunção da inocência (artigo 5°, inciso LVII, da atual Carta Magna) dispõe que ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Esta regra não se aplica em casos de autuações, autos de infração e Termos de Ocorrência de Irregularidade ou Inspeção, dada a limitação do dispositivo constitucional, processual penal, e levando em conta também que a atividade administrativa no exercício do poder de polícia decorrente do serviço delegado goza de presunção de legalidade e regularidade.

No nosso entender, o TOI está revestido de uma presunção de legitimidade atinentes aos atos administrativos, visto que se trata de ato de concessionária de serviço público, dentre dos limites estabelecidos pela regulamentação.

Registre-se que todas as Portarias e Resoluções citadas neste breve texto, JAMAIS, foram objeto de questionamento de sua legalidade. Só valeria para o TOI? Não parece razoável.

Importante extrair do Voto do Diretor Sandoval Feitosa, Relator da resolução acima o seguinte:

Em 20 de abril de 2021, na 13ª Reunião Pública Ordinária, esta Diretoria Colegiada aprovou a abertura de Consulta Pública (CP nº 18/2021) no período de 23 de abril a 22 de junho de 2021. O prazo para envio das contribuições foi posteriormente estendido para 22 de julho de 2021. 6. Entre os dias 23 de junho e 13 de agosto, realizei diversas reuniões intituladas “Diálogos com o Consumidor”, em que tivemos a oportunidade de ouvir contribuições do CONACEN – Conselho Nacional de Consumidores de Energia Elétrica, do IDEC – Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, da Comissão de Apoio ao Processo Regulatório sob a Perspectiva do Consumidor e da SENACON – Secretaria Nacional do Consumidor. 7. Em 13 de agosto de 2021, as áreas técnicas emitiram a Nota Técnica nº 0102/2021- SRD/SMA/ANEEL, oportunidade em que apresentaram o relatório das 2.039 contribuições recebidas, com a recomendação de abertura de uma segunda fase de discussões. 8. Em 17 de agosto de 2021, na 30ª Reunião Pública Ordinária, a Diretoria aprovou a abertura da segunda fase da Consulta Pública 18/2021, no período de 19 de agosto a 3 de outubro de 2021 (CP 18/2021). 9. Após a abertura da segunda fase, foram realizadas novas reuniões para esclarecimentos e debates sobre a proposta com diversas entidades e associações, tais como: IDEC, Abradee, Defensorias Públicas, Comissão de Apoio ao Processo Regulatório sob a Perspectiva do Consumidor, AGER-MT, Conacen, Câmara Brasileira da Indústria da Construção – CBIC e Secretaria de Modernização da Presidência da República, dentre outros. 10. Em 25 de novembro de 2021, foi emitida a Nota Técnica nº 0130/2021-SRD/SMA/ANEEL, em que as áreas técnicas analisaram as contribuições recebidas no processo de consulta pública, bem como nas 19 reuniões realizadas, e encaminharam os aprimoramentos para análise da relatoria.

A participação pública e a transparência são pilares sobre os quais a ANEEL tem se fundamentado desde a sua criação e este processo mostra a relevância do debate franco e direto na condução deste processo. Nas duas fases da Consulta Pública, foram recebidas 2.651 contribuições da sociedade, tendo sido utilizadas para melhoria do regulamento mais de mil sugestões dos cidadãos, empresas, associações e instituições que participaram – em outras palavras, 1.088 contribuições foram aceitas, total ou parcialmente, ou já estavam contempladas no texto.

Em breve futuro, que não possamos ouvir que faltou contraditório, ampla defesa, transparência etc. Todos tiveram a oportunidade de se manifestar. A sociedade evoluiu e a agência que regula o setor, não alheia a atualidade (outro princípio) trouxe novidades, atualizações e demonstrou diálogo com todos.

Agora, há uma necessidade grande e premente de se aprofundar nestes regulamentos, para evitar que a “indústria da irregularidade” continue criando teses, aproveitando brechas e conseguindo julgados que em nada contribuem para o consumidor honesto e que pode, ser for mais participativo, denunciar este ilícito, que só ajuda que comete crime e não paga cível e criminalmente por isso.

Eu não perco a esperança na capacidade de diálogo e compreensão deste tema que permanece, por mais que possamos evoluir o regulamento, leis, etc. Tenho ´fé na evolução da ética, do fim do “jeitinho”, no ser humano.

Fábio Amorim da Rocha é presidente da Comissão de Direito de Energia Elétrica da OAB/RJ, ex- Executivo da Light Serviços de Eletricidade, professor e árbitro da FGV, CBMA, CAMESC e CAMFIEP